Estes textos e fotos foram extraídos do livro "A Saga de
Penedo - A história da colônia finlandesa no Brasil", publicado em 1989,
escrito por Eva Hildén, uma das primeiras crianças a virem para Penedo
no terceiro grupo de finlandeses imigrantes em junho de 1929.
O IDEALIZADOR E A IDÉIA
"Toivo
Uuskallio (que significa esperança) foi um agricultor, idealizador e
religioso que, numa noite de profunda meditação, sentiu a convicção de
que Deus o tinha chamado a fim de concretizar os seus ideais sobre um
modo de viver melhor numa sociedade nova e ideal. Ele chegou à conclusão
de que o homem precisava aderir a vida simples, saudável e natural:"-
Precisamos levar uma vida natural sem preocupações com comércio e
sociedade de consumo. Cada família tem de cultivar no seu jardim tudo o
que necessita para a sua alimentação, vestir-se com roupas mais leves
possíveis, desfrutar dos raios de sol reparadores, respirar o ar puro,
sem poluição, viver em paz, longe dos conflitos e guerras."
A PROCURA
Tornara-se
evidente que este tipo de vida não seria possível na Finlândia, país
onde o verão é curtíssimo e o inverno longo, quando toda a natureza se
cobre de gelo e neve. Toivo Uuskallio, sua mulher Liisa e tres jovens
entusiasmados partiram para o Brasil em 6 de agosto de 1927, trabalharam
em uma fazenda em Barra Mansa até abril de 1928 e seguiram para
Itatiaia à procura do lugar ideal para a colônia finlandesa. Visitaram
várias fazendas nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo,
até que souberam que a Fazenda Penedo, na época município de Resende,
estava à venda. Era uma fazenda de 3.500 hectares, destes, 2.000 de
florestas. Tinha água em abundância, o Ribeirão das Pedras cortava as
terras, a qualidade do solo parecia boa e por causa da variação de
altitude, se poderia plantar tanto espécies européias como tropicais.
A REALIZAÇÃO
Pennanen
que era representante de Uuskallio e cordenador do círculo de amigos na
Finlândia, informou a todos sobre a possibilidadde da compra da Fazenda
Penedo pelo preço de 350 contos de réis , "- Encontramos o lugar onde
poderemos viver de acordo com os nossos princípios. Agora precisamos de
disposição para sacrifícios e muita fé." - Foi feita uma proposta para
todos aqueles que tinham intenção de imigrar para o Brasil. Todos os
interessados deveriam investir sua parte no projeto, possibilitando a
compra da Fazenda, que seria dividida em 250 lotes de 14 hectares, sendo
dois hectares de terra plana e 12 de floresta. As construções
existentes, maquinaria e instalações de eletricidade ficariam sendo de
posse comum. Os lotes individuais poderiam ser comprados com dinheiro ou
pagos com os trabalhos nas obras comuns. A Fazenda oferecia pensão com
comida vegetariana para todos.
A VIAGEM
Como
o entusiasmo contagiante de Pennanen, que tinha vindo até o Brasil
conhecer a Fazenda Penedo, resultou em grande número de pessoas
interessadas em viajar para o Brasil, era preciso fazer uma cuidadosa
seleção dos candidatos. Foi apresentado um questionário com 70
perguntas, onde se indagou se o candidato era vegetariano e abstêmio a
bebidas alcoólicas e fumo. Depois da seleção rigorosa, foram convocados
28 candidatos para formar o primeiro grupo de imigrantes. Na última
noite antes de viajar, todos os imigrantes, seus parentes e amigos se
reuniram na sala de festas do Colégio Feminino de Helsinki. O grupo
embarcou no porto de Helsinki em 15 de maio de 1929 e chegou ao Rio em
16 de junho de 1929.Ao chegar em Penedo, todos se alojaram na Casa
Grande da Fazenda. O salão do andar térreo ficou sendo a república dos
homens e uma sala do sobrado serviu de dormitório para as moças.
Os
casais tinham os seus quartos. Um prédio menor ao lado da Casa Grande
foi arrumado para servir de cozinha e refeitório. Havia muito trabalho
para todos. Era necessário preparar a terra para as plantações,
construír estradas e começar a edificar as casas. Começaram a surgir as
primeiras plantações de milho, batata doce, hortaliças, bananeiras. A
primeira estrada a ser aberta foi a que leva da Casa Grande às Tres
Cachoeiras. Suni começou a construír a sua casa que serviria de modelo
para as outras que viessem depois. As mulheres trabalhavam em turnos,
uma semana na cozinha, outra lavando e passando roupa, e a terceira na
horta. De acordo com os planos, todos deveriam trabalhar dois anos no
serviço coletivo da fazenda, a fim de adquirir experiência necessária
para começar a desenvolver o seu lote particular.
AS PRIMEIRAS CRIANÇAS
Nós
quatro, meu irmão Paavo, eu e os meninos Raimo e Matti, ambos de cinco
anos, as primeiras crianças de Penedo, acostumamo-nos rapidamente à vida
em Penedo. (...) Nos dias quentes vestiamos só calção e maiô (...), com
frequência íamos nadar. O ribeirão tinha lugares fundos e ainda não
sabíamos nadar, mas descobrimos que o local que alimentava a turbina de
eletricidade da Fazenda era um lugar ótimo para pularmos e brincarmos na
água. Fascinados olhávamos as mulheres dos colonos que lavavam a roupa
de maneira esquisita, batendo as peças de encontro à beira cimentada do
canal. Um pouco mais longe, as mulheres finlandesas usavam outra
técnica: esfregavam as roupas nas tinas de madeira e as escaldavam na
água fervente com soda cáustica, num grande panelão de ferro.
Costumávamos visitar a casa antiga dos escravos, a senzala, onde moravam
algumas famílias dos colonos. De olhos arregalados observávamos as
crianças escuras e estranhávamos a língua. Elas também olhavam com
espanto para nós, crianças louras que falavam finlandês. Boquiabertos
vimos velhinhas fumando cachimbo.
DATA IMPORTANTE
Estava
se aproximando ameaçadoramente a data importante de 28 de setembro,
quando venceria a prorrogação do prazo para o pagamento do restante da
Fazenda Penedo. As despesas tinham sido grandes: a lavoura, as
cosntruções, a compra de equipamentos e a pensão de cerca de cem pessoas
tinham consumido os recursos. As plantações ainda não produziam nada.
Não havia outro meio a não ser apelar mais uma vez aos amigos de Penedo
na Finlândia.(...) Quase mil pessoas manifestaram interesse em ajudar
Penedo e muitos continuaram depositando dinheiro na conta bancária como
investimento para futura compra de terreno. Alguns deram empréstimos a
longo prazo e a juros baixos, outros fizeram doações, mas ainda ficou o
saldo de 100 mil marcos e o credor só consentiu a prorrogação por mais
duas semanas, até 15 de outubro. (...) Parecia milagre, pois antes do
dia 15 de outubro, Pennanen conseguiu remeter a importância devida e,
Uuskallio teve a alegria e o alívio enorme de entregar o saldo do
pagamento da Fazenda Penedo no dia do vencimento. Assim, a Fazenda era
totalmente de propriedade dos finlandeses. Muitas orações de
agradecimento a Deus foram rezadas nesses dias.
PENEDO NA ATUALIDADE
Passaram-se
seis décadas desde que Uuskallio veio ao Brasil para fundar uma
sociedade nova e ideal. O seu grande sonho - o paraíso reencontrado de
gente idealista - não se realizou da forma como ele tinha imaginado. Mas
muitas famílias se estabeleceram aqui, construíram seus lares,
plantaram árvores e criaram jardins, viram seus filhos nascerem e
crescerem, e assitiram à transformação daquele Penedo desolado nesse
recanto lindo e agradável. Os primeiro anos de lutas amargas, desespero
árduo, são lembranças distantes. Chegaram os dias de bonanza. Os
finlandeses deixaram as suas marcas definitivas em Penedo.Hoje, quando
ando no arvoredo tranquilo do jardim de minha casa, vejo o brilho das
flores, ouço o canto dos pássaros, respiro o ar puro, avisto as
montanhas majestosas e exclamo: - Foi para este paraíso que os Toivos
nos trouxeram um dia!"
Eva Hildén (1924 - 1997)
Além
de autora do livro "A Saga de Penedo" Eva Hildén foi fundadora do Museu
Finlandês de Penedo, onde todos os objetos são provenientes da
Finlândia.
"Costumo
dizer que a peça mais importante do museu sou eu mesma, por causa das
explicações e preleções sobre as coisas, costumes, história e geografia
da Finlândia."Eva Hildén
Eva Hildén faleceu em setembro de 1997.
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